domingo, 19 de outubro de 2025

A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera


Minha opinião:Escolher A Insustentável Leveza do Ser para a primeira leitura do nosso clube do livro foi um encontro com algo que eu já queria ler há anos, mas sempre deixava para depois. E agora, finalmente, todas nós lemos juntas, e que experiência intensa! Desde a primeira página, senti que estava diante de uma obra que não se esquece, que mexe com a gente, com o pensamento e com o coração.

O livro é sobre o peso e a leveza da vida, sobre escolhas, relações e como cada um de nós lida com a vida de um jeito diferente. Ele se passa em meio à guerra, mostrando como tudo muda: nossos vínculos, nossos trabalhos, a maneira como vivemos e sentimos.

Tereza é a primeira personagem que nos toca profundamente. Ela carrega o peso do ciúme, da cobrança de si mesma e do medo de ficar sozinha. Cada gesto dela, cada sentimento confuso, cada dúvida sobre o amor ou sobre a fidelidade nos leva a refletir sobre o que significa amar e ser amado. Ela se casa com Tomas, um médico que ama a liberdade de se relacionar com outras mulheres sem criar laços, mas sente por Tereza uma ligação única — um cuidado que vai além do desejo. E é nesse contraste que percebemos: o que é traição? O que é amar? E até que ponto conseguimos realmente compreender o outro?

Sabina, amante de Tomas, parece leve, livre, quase flutuando sobre o mundo. Mas será que essa leveza é real, ou apenas outra forma de peso — o peso de não se prender, de fugir das relações, de não se permitir ser completamente feliz com alguém? Franz, um homem casado que se apaixona por Sabina, também enfrenta suas próprias escolhas e responsabilidades, questionando o preço de seguir o coração ou a verdade.

E, no meio de tudo, a guerra muda a vida das pessoas, força a deixar para trás o que conheciam, confronta o passado e mostra que não há como viver sem carregar algum peso. Kundera nos leva a refletir: será possível viver sem o peso do que fomos, do que sentimos, do que escolhemos? Existe uma verdadeira leveza na vida, ou tudo é, de algum jeito, inevitavelmente pesado?

Ler este livro foi intenso, e discutir com o clube tornou a experiência ainda mais rica. Entre as histórias, os encontros e desencontros, cada reflexão sobre amor, liberdade e responsabilidade ecoou na nossa própria vida. Um livro que permanece com você, mesmo depois que se fecha a última página.



Sinopse

Em A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera explora a complexidade das relações humanas e da vida sob o pano de fundo da Primavera de Praga e da ocupação soviética. O romance acompanha Tomas, um médico mulherengo; Tereza, sua esposa marcada pelo ciúme; Sabina, amante livre e independente; e Franz, um homem em busca de sentido em meio ao amor e à fidelidade. Entre dilemas morais, paixões e escolhas difíceis, o livro investiga os conceitos de peso e leveza existenciais, questionando o significado de amor, liberdade, verdade e responsabilidade.

A Lanterna das Memórias Perdidas, de Sanaka Hiiragi

Minha opinião: Que livro bonito… e que leitura intensa. A Lanterna das Memórias Perdidas me levou a um lugar entre a vida e o além, um espaço estranho e delicado onde cada pessoa precisa escolher uma foto de cada ano de sua vida — como se cada imagem guardasse a essência do que fomos, cada escolha, cada momento.

A primeira história é de uma senhora de 92 anos, professora do ensino infantil. Quando comecei a ler, pensei que seria uma narrativa tranquila, mas me surpreendi com a delicadeza com que a vida dela é narrada. Cada gesto simples, cada cuidado com os alunos, cada momento cotidiano parecia pequeno, mas a forma como ela impactou tantas vidas me emocionou profundamente. Fiquei admirada de como uma vida aparentemente comum pode ser tão cheia de significado.

A segunda história me pegou de um jeito inesperado. É sobre um homem de 47 anos, membro da Yakuza, e confesso que imaginei muita violência e dureza. Mas não. A narrativa me surpreendeu: ele se conecta com um jovem diferente, que parece ser autista, e através dessa amizade começa a enxergar o mundo de outro jeito. Aquela história me fez sentir leveza e ternura em um cenário que eu não esperava. Foi bonito perceber como empatia e conexão podem surgir nos lugares mais improváveis.

A terceira história foi a mais intensa e difícil. É sobre uma criança que sofreu muita violência, e ler aquilo me deixou tensa, angustiada, quase sem fôlego. É uma história dura, visceral, que não se esquece facilmente. Mas, ao mesmo tempo, é escrita com uma delicadeza incrível, que torna cada sofrimento humano e profundamente real. Saí dessa leitura refletindo sobre dor, resiliência e sobre como a vida pode ser cruel, mas ainda assim cheia de momentos que nos tocam profundamente.

No fim, o que mais me marcou foi como o livro consegue ser delicado e intenso ao mesmo tempo. É um livro que me fez sentir — rir, me emocionar, me apertar com o sofrimento, e ainda assim admirar a beleza escondida na vida cotidiana e nas pequenas conexões humanas.


Sinopse

Entre a vida e o além existe um espaço onde cada pessoa escolhe uma foto de cada ano de sua vida, guardando memórias e momentos essenciais. A Lanterna das Memórias Perdidas narra três histórias marcantes: de uma professora idosa que transforma vidas com sua presença, de um homem da Yakuza que descobre a amizade e a empatia, e de uma criança que enfrenta dores profundas. Um livro intenso, delicado e profundamente humano, que nos convida a refletir sobre o valor de cada memória e de cada vida.


VOX – Christina Dalcher


Minha opinião: VOX é um livro que segura a atenção desde o começo. O mundo construído é assustador justamente por parecer possível — basta olhar para discursos reais que acham normal silenciar, julgar, reduzir o outro ao que ele “deve” ser, seja por gênero, sexualidade ou qualquer forma de existência que não se encaixe.

Achei interessante como a autora mostra o processo de doutrinação, principalmente nas crianças, como se aprender a silenciar o outro fosse uma coisa “natural”. A protagonista vive um dilema intenso: ela é mãe, mulher e cientista — e precisa negociar com a própria culpa, com a passividade de quem permitiu certas coisas acontecerem e com a urgência de reagir.

A narrativa mistura ficção distópica com suspense, romance e reviravoltas, às vezes com muita informação, muitos elementos ao mesmo tempo, mas ainda assim prende porque queremos saber como tudo vai terminar. E de certa forma, termina como queríamos — embora eu não tenha certeza se foi exatamente a melhor solução… Mas ok, é um livro que faz pensar e mexe com várias camadas.

✨ Uma distopia que incomoda porque cutuca uma pergunta perigosa: e se o silêncio começar devagar e ninguém perceber?

Sinopse: Num futuro próximo nos Estados Unidos, um governo ultraconservador e patriarcal redefine o papel das mulheres: elas perdem seus empregos, seu lugar na vida pública e, principalmente, sua voz. Literalmente. Todas passam a usar pulseiras eletrônicas que permitem apenas 100 palavras por dia. Cada palavra além disso é punida com choques violentos. O silêncio se torna lei — e instrumento de controle.

Jean McLellan, linguista e mãe de quatro filhos, precisa assistir à transformação da sociedade e da própria família, percebendo como até as crianças começam a naturalizar a opressão. Mas quando o governo descobre sua pesquisa sobre afasia de Wernicke e vê nela uma oportunidade estratégica, Jean é forçada a voltar ao trabalho — e a partir daí se envolve numa trama de tensão, acordos perigosos, segredos e resistência.

O AMOR E SUA FOME – Lorena Portela

Minha opinião: Eu comecei O amor e sua fome sem saber muito bem o que esperar e talvez por isso a leitura tenha me surpreendido tanto. A protagonista, Dora, narra sua história desde a infância, e é impressionante como Lorena Portela consegue transformar memórias aparentemente simples em algo cheio de tensão emocional. Acompanhamos suas primeiras relações, as amizades que nascem meio tortas, as inimizades veladas, as formas de amar que ela tenta compreender — ora se aproximando, ora se afastando como se amar fosse sempre um movimento de risco.

A relação dela com Esme, sua amiga, é um dos pontos mais intensos do livro. Há ali uma energia difícil de nomear — amor, desejo, ciúme, raiva, encantamento — tudo misturado em uma linguagem que nunca precisa gritar para ser profunda.

O livro fala muito sobre essa contradição humana de querer o outro, mas ao mesmo tempo temer o vínculo; de desejar proximidade e se proteger dela; de sentir e tentar negar o próprio sentimento.

Ao longo da narrativa, algo muda. Seja por um movimento do inconsciente, seja por algo espiritual — e o livro deixa essa dúvida aberta — uma força atravessa tudo e altera o curso da vida de Dora. Não é uma mudança espetacular, é algo sutil que se infiltra, silenciosamente, como se o próprio destino se movesse alguns milímetros e isso fosse suficiente para mudar tudo.

A escrita tem uma força visceral, mas ao mesmo tempo é delicada, quase como se a autora soubesse exatamente onde tocar para criar incômodo sem violência, emoção sem exagero.

É um livro que mexe, mas sem pressa — ele permite sentir, e não apenas ler. Um romance para se entregar, não para passar rápido. Um livro para habitar um pouco a gente depois que termina.

Sinopse: Dora cresce observando o mundo com uma fome que não sabe nomear — fome de afeto, de pertencimento, de liberdade e, principalmente, de algo que dê sentido ao que ela sente e não consegue dizer. A narrativa acompanha sua infância e adolescência, marcada por amizades intensas, raivas silenciosas e afetos que nascem nas frestas do que é permitido. A relação com Esme, sua amiga mais marcante, concentra tensões amorosas e emocionais que escapam das definições comuns: é amor, é desejo, é dor, é uma mistura de tudo. Conforme Dora cresce, também cresce a consciência de si — e com ela a percepção de que amar é sempre um campo de risco, um espaço entre querer se aproximar e o medo de se perder. Entre memórias, corpo, inconsciente e uma possível força invisível que atravessa os acontecimentos, o livro revela uma jornada íntima sobre o que é amar e sobre o que a fome de amor é capaz de fazer com uma vida.

A INCONVENIENTE LOJA DE CONVENIÊNCIA – Kim Ho-yeon


Minha opinião: Achei esse livro muito bonito e delicado. Ele fala sobre algo que às vezes esquecemos: a capacidade de acreditar nas pessoas, na mudança, na bondade. A dona da loja faz isso de forma simples, sem discursos — ela confia, e essa confiança vira um gatilho de transformação para todos ao redor.

O personagem em situação de rua é um dos pontos mais tocantes. Ele não é romantizado — ele é humano, com falhas, vergonha, raiva, medo. E justamente por isso, ver o processo de recuperação da autoestima e da dignidade dele foi muito forte para mim. É quase como assistir a uma terapia feita de gestos simples: um café quente, uma tarefa cumprida, um olhar que não julga.

Não é sobre dinheiro. É sobre valor emocional, moral, humano — e a descoberta desse valor ao longo da narrativa é lindíssima.

💗 Um livro para guardar com carinho

A leitura me deixou com aquela sensação boa de esperança discreta, aquela que não faz barulho, mas acende uma luzinha dentro da gente. Às vezes é disso que precisamos: de histórias que lembram que o mundo ainda pode ser gentil.

Perfeito para quem:

Gosta de narrativas de afeto e transformação interior

Valoriza personagens que se constroem de dentro para fora

Acredita que gentilezas pequenas podem mudar destinos inteiros

Sinopse: Em um bairro comum de Seul, uma pequena loja de conveniência funciona madrugada adentro — um lugar aparentemente simples, mas que se torna ponto de encontro para pessoas desgastadas pela vida. A gerente, com seu jeito tranquilo e acolhedor, contrata um homem em situação de rua para trabalhar no turno noturno. A partir daí, pequenas mudanças começam a acontecer — não só nele, mas em todos os que circulam por aquele espaço. A loja vira um lugar de reencontros consigo mesmo, de dignidade e de recomeços silenciosos.



NIHONJIN – Oscar Nakasato


Minha opinião: Sou descendente de japoneses, mas de um jeito muito diferente do vivido no livro. Meus avós também vieram do Japão, depois da guerra, mas ao chegarem aqui escolheram ser brasileiros. Tanto que meu pai quase não fala japonês — a ideia era romper, não manter.

Por isso, ler Nihonjin foi uma experiência curiosa: enquanto os personagens carregavam o Japão no corpo, no idioma, nos ritos e até no sonho constante de retorno, eu me dei conta de que na minha família esse fio cultural não foi passado adiante. E ainda assim, alguma coisa desse pertencimento silencioso existe em mim — talvez justamente na forma de ausência.

O livro me despertou um olhar bonito e melancólico sobre pertencimento e deslocamento, além da força dos ritos e da memória como forma de resistência cultural.

A pergunta que fica: o que acontece quando a cultura é interrompida — ela desaparece ou se transforma em outra coisa?

Mesmo sem ter vivido essa tradição de forma direta, o livro me deu uma sensação estranha e bonita — como sentir saudade de uma história que não me foi contada.

Pra quem esse livro fala com força

Quem tem origem migrante — mesmo que a cultura tenha se diluído

Quem gosta de narrativas de memória, silêncio e identidade

Quem aprecia literatura brasileira que fala de nós a partir das margens

Talvez seja isso que Nihonjin faz: ele abre uma gaveta de memórias — mesmo para quem nunca recebeu as chaves.

Sinopse: Nihonjin acompanha a trajetória de uma família japonesa que migra para o Brasil no início do século XX. Carregando memórias da guerra e de um Japão idealizado, eles tentam construir uma nova vida enquanto mantêm — ou lutam para manter — seus costumes, língua e senso de identidade. Entre o desejo de pertencimento e o chamado silencioso da terra natal, o romance explora como a cultura se transforma, resiste ou se perde quando atravessa o oceano.